6.11.07

A Caminho do Nada II

A Chegada

Chegámos. Salvador é lindo. É uma espécie de amor forte, e por vezes, difícil de digerir. A chegada é sempre acompanhada da expectativa do novo, do desconhecido, de novas caras que espreitam janelas e leques que se abanam à nossa frente e de gente que se confunde com a terra e com o calor.

É incrível como um sítio assim, nos deixa sem saber qual é o nosso lugar.

Juvenal sorria à porta. Enxuto, 83 anos de Salvador. Homem magro, mulato, com chapéu de palha e cigarro de enrolar no canto da sua boca ainda de malandro. Casado e pai do mundo. Não tinha filhos, só gatos.

Falámos, abraçámo-nos, chorámos sem nunca nos termos conhecido. Só pelas palavras açucaradas do meu avô. Só pelas
fotografias e estórias na hora de dormir. Imaginava-o tal qual era de facto, talvez um pouco mais alto.

O meu quarto, azul, cheirava a velho. Não a velho de podre, mas a velho de história, de livro empoeirados ao canto do quarto. Pousei a mala. Não a desfiz. Abri a janela e senti-me em casa. Os gritos das crianças acumulavam-se na rua atrás de uma lata velha usada para uma peladinha antes do jantar.

Olhei-me ao espelho que competia na parede com uma imagem de Iemanjá. Reconheci-me, o que de facto era uma boa sensação. Precisava de um banho urgente. Um banho de limpeza, não só de pele mas de espírito. Meti-me na banheira e fixei os olhos na santa azul.

Depois do almoço, subimos o rio vermelho, zona preta e piscatória. Contei a Juvenal que o meu avô não era bem a razão por que me encontrava ali. Ele riu-se, de cigarro no canto da boca, e continuou a subir o rio, como quem sabe exactamente onde está. Ele sabia. Eu não.

Linda de uma maneira muito própria, a zona da Barra aparecia à nossa frente, como uma mulher que acaba de fazer amor. Uma rapariga muito morena e um bando de crianças, esperavam-nos numa espécie de porto. Espécie, porque eram umas tábuas de madeira arranjadas de maneira a parecer um porto. Nem mais nem menos.

- Bem-vinda - disse a rapariga de brilhos nos olhos, alimentando a esperança na minha visita e segurando a minha mão.

Na Barra, a noite desceu quente e ruidosa de insectos por catalogar.