3.12.07

A caminho do nada III

Bartolomeu

Na praia, fingi dormir enquanto todos descansavam, balbuciando aqui e além palavras soltas de um tempo
que não volta mais. Fingi, porque nunca tinha visto tantas estrelas e tanta calma enredada num imenso silêncio.

De manhã, Juvenal levou-me até Bartolomeu. Um Pai de Santo "que não vem no cartão postal". Tal e qual como nas telenovelas ou no nosso imaginário. O caminho, tortuoso, enervou-me. Chegamos ao terreiro e uma mulher muito gorda, de vestes brancas, daquelas que aparecem no Sambódromo a rodar com bandeiras em dias de Carnaval, ofereceu-nos sumo de pitanga. Não bebi. Segurei o copo firme até ao fim da visita.

- Não se preocupe. Vai encontrar tudo aquilo que procura. - dizia Pai Bartolomeu, enquanto me passava algo pela testa que cheirava a uma fruta que não indentifiquei.

Arrepiei-me. As palavras simples, e nada premonitórias, despiram-me ali mesmo no chão do terreiro.
As mulheres dançavam revirando os olhos, animais à solta corriam desenfreados para o seu último dia. O cheiro intenso daquele sítio amordaçava-me o coração e eu não tinha como fugir.

De repente, acordei nos braços de Juvenal que me limpava o suor adocicado da minha testa, ainda de turista.

Pedi a Juvenal para partir. Tinha ficado tempo demais.


Ana Ribeiro, A caminho do nada.